Compra de cidadania

Introdução

Muitos sonham em ter um passaporte estrangeiro para poderem morar e trabalhar legalmente em outro país. Pessoas de alto patrimônio têm um atalho: a compra de uma segunda cidadania. Neste artigo veremos os casos em que ricos se beneficiam em obter um passaporte de outro país, quais países oferecem esse tipo de oportunidade e um estudo de caso: o programa de cidadania por investimento do pequeno país caribenho São Cristóvão e Nevis.

O poder de um passaporte

Normalmente não paramos para pensar no assunto, mas o nosso passaporte brasileiro é extremamente prestigiado, nos dando direito a entrar em 168 países sem a necessidade de visto. Em 2023, ele está na 20ª posição do ranking de passaportes mais poderosos do mundo, de acordo com o The Henley Passport Index, que os classifica por ordem de quantidade de países que permitem a entrada sem a necessidade de visto.

Em contraste, veja a situação de um cidadão chinês. Apesar de a China ser atualmente a segunda maior economia do mundo, seu passaporte permite a entrada sem visto em apenas 80 países, ocupando o 68º lugar do ranking: uma diferença brutal para os cidadãos da maior economia do mundo (EUA, cujo passaporte ocupa a 7ª posição do ranking e permite a entrada sem visto em 185 países) e da terceira maior economia (Japão, 2º lugar no ranking, com entrada livre em 190 países).

Dentre as dez maiores economias do mundo, apenas os cidadãos indianos encontram-se em situação pior que a dos chineses, com a entrada franqueada a apenas 57 países e o passaporte figurando em 85º lugar no ranking.

E há países em situação muito pior do que a China e a Índia. Podemos citar Vietnã (55 países, 87º lugar no ranking), Angola (52 países, 90º lugar no ranking), Irã (44 países, 96º lugar no ranking), Líbano (43 países, 97º lugar no ranking) e Iraque (29 países, 106º lugar no ranking).

Isso não significa que cidadãos desses países mal colocados no ranking sejam proibidos de viajar, mas há a necessidade de um maior planejamento, pois há mais burocracia, maior tempo de espera e custos adicionais envolvidos, o que não ocorre com detentores de passaportes mais bem posicionados. E esses cidadãos não podem, de improviso, resolver viajar a um país próximo ao seu destino por não terem visto que os permitam cruzar a fronteira.

Para um cidadão comum, que viaja muito infrequentemente, esses passos adicionais podem parecer apenas um mero aborrecimento. Mas para aqueles que precisam viajar internacionalmente com frequência, como é o caso de um empresário ou executivo de uma empresa transnacional, a limitação de movimento de um passaporte sem prestígio pode ser um grande problema.

Planejamento tributário agressivo

Ser cidadão de outro país pode também fazer sentido aos abastados que desejam pagar menos imposto de renda.

Para o brasileiro médio, esta ideia pode parecer estranha, pois temos isenção de tributação sobre lucros e dividendos e por aqui a alíquota máxima do imposto de renda pessoa física é de 27,5%. Mas, em compensação, o governo tributa brutalmente o consumo.

Países desenvolvidos, porém, seguem em outra direção, com um baixo imposto sobre consumo, mas com altas alíquotas de imposto de renda e sem isenção para lucros e dividendos. Em muitos países, como EUA, França, Suécia, Suíça e Espanha, a taxação pode chegar a 50% da renda ou até mais, dependendo do caso concreto.

Uma das soluções que um endinheirado tem para escapar essa tributação é se mudar de forma definitiva para um país que não taxe rendimentos auferidos no exterior – ou seja, um paraíso fiscal. Explicando de outra forma: o seu país natal não cobrará imposto sobre seus rendimentos obtidos em seu país natal, uma vez que ele não será mais residente de lá, e o seu novo país, um paraíso fiscal, não cobrará imposto sobre seus rendimentos pois estes serão isentos de taxação.

Isto pode ser feito através de um visto de moradia, mas certamente a aquisição de uma segunda cidadania torna esse projeto muito mais seguro.

Note que para esse planejamento funcionar, os rendimentos têm de ser oriundos do país natal da pessoa. Portanto, normalmente esse planejamento tributário agressivo só funciona para aqueles que já atingiram a sua independência financeira, isto é, vivem de renda. Não é um planejamento voltado ao assalariado.

Os problemas em ser americano

Para os norte-americanos, a obtenção de uma nova cidadania é imprescindível para esse plano dar certo. Os Estados Unidos são um dos raríssimos países do mundo que taxam rendimentos de seus cidadãos mesmo que eles não residam mais no país (os outros países na mesma situação são Eritreia, Hungria, Myanmar e Tajiquistão). Com isto, é crescente o número de ricaços americanos que obtêm uma segunda cidadania, mudam-se para o exterior e renunciam a sua cidadania original para não serem mais taxados pelo governo americano.

Mesmo o americano médio acaba buscando uma segunda cidadania por conta de outro problema: o Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA). O governo americano vem pressionando outros países a reportarem a atividade financeira de cidadãos americanos, de forma a ter certeza de não estarem praticando sonegação fiscal ou escondendo dinheiro no exterior. Como consequência, muitos bancos simplesmente não aceitam mais americanos como clientes, por conta da burocracia adicional. Para americanos morando fora dos EUA, isto torna-se um pesadelo, e muitos, com vida e família já estabelecidos em outro país, acabam obtendo uma segunda cidadania e renunciando a sua cidadania americana para acabar com essa dor de cabeça.

Esses fatores fizeram com que o número de americanos renunciando a sua cidadania multiplicasse por dez em apenas uma década.

Caminhos para uma nova cidadania

Tradicionalmente, a obtenção de uma cidadania de forma originária só é possível caso a pessoa tenha nascido em um país que adota o princípio do jus soli e/ou seja descendente de um cidadão de um país que adota o princípio do jus sanguinis.

Infelizmente essas duas hipóteses não são escolhidas pela pessoa: ou ela nasce com esses direitos ou não nasce.

Uma terceira opção é o processo de naturalização, onde a pessoa passa a ter o direito a obter a cidadania de um país após atingir uma determinada série de pré-requisitos que, via de regra, envolve morar no país legalmente durante um determinado período de tempo.

Há países que permitem um atalho para pessoas dispostas a pagar o preço: a venda direta de cidadania, sem a necessidade de o candidato passar pelo processo de morar no país ou ter tido qualquer tipo de visto antes. Tais países são, em sua maioria, micronações, com uma população diminuta, pequena área geográfica e poucos recursos naturais, e a venda de cidadania acaba injetando um capital extremamente bem-vindo ao caixa do país.

O país considerado líder nesse segmento é São Cristóvão e Nevis, carinhosamente conhecido internacionalmente como St. Kitts, cujo passaporte figura em uma invejável 26ª posição do ranking de passaportes, permitindo a entrada sem visto em 155 países, uma melhora abismal em comparação ao passaporte de países emergentes como China, Rússia e Índia, entre outros que vimos no início deste artigo. Além disto, cidadãos de St. Kitts podem residir livremente em qualquer um dos 15 países da Comunidade do Caribe (CARICOM).

St. Kitts: o segredo mais bem guardado do Caribe

São Cristóvão e Nevis é um minúsculo país no Caribe, com uma população estimada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de 53.500 pessoas (2021), distribuídas em suas duas ilhas. Apesar de ser um grande desconhecido do grande público, esse país é uma estrela em dois mercados complementares: o de formação de empresas offshore e o da venda de cidadania.

Ao pé da letra, abrir uma empresa offshore significa tão somente abrir uma empresa em um país diferente do seu. Porém, a conotação normalmente dada refere-se a abrir uma empresa em um paraíso fiscal como parte de um planejamento tributário (para diminuir a quantidade de impostos pagos pelo empresário ou empresa) e/ou para ocultação de patrimônio.

Como paraíso fiscal, St. Kitts tem vários concorrentes de peso. Mas é no mercado de privacidade que o país, em particular a ilha de Nevis, se destaca. Com uma das legislações mais protetivas do mundo, documentos não são públicos: só é possível ter acesso a qualquer documento relativo a uma empresa aberta na ilha por ordem judicial emitida pelo sistema judiciário da própria ilha.

Além disso, é uma estratégia comum criar camadas de proteção adicionais, fazendo com que uma empresa seja dona de outra, em um esquema conhecido como shell company. Desta forma, se eventualmente a privacidade de uma empresa é quebrada, encontra-se como resultado outra empresa com dados fechados e aquele que está fazendo a investigação de propriedade volta à estaca zero. Na prática, portanto, é praticamente impossível descobrir quem são os donos de uma empresa localizada em Nevis. Não é de se espantar que esta pequena ilha, com apenas 11.000 habitantes, tem mais de 70.000 empresas registradas em seu solo.

Enquanto esse esquema é bem conhecido e foi, de forma muito bem-humorada, retratado no filme A Lavanderia (The Laundromat), o mercado de venda de cidadanias talvez seja um dos segredos mais bem-guardados do mundo.

Cidadania por investimento

Criado em 1984 e oficialmente conhecido como “Cidadania por Investimento” (Citizenship By Investiment, CBI), o programa de venda de cidadanias de St. Kitts é o mais antigo em existência e permite que o candidato adquira sua cidadania através de duas formas: através da aquisição de um imóvel no país ou através de uma doação ao governo. Os valores e opções podem mudar a cada ano, e as informações a seguir são referentes a 2023.

A aquisição de um imóvel é uma forma interessante de o candidato reter valor em troca do serviço. No entanto, o imóvel pretendido precisa ser participante do programa, o que significa que seu preço é inflacionado em relação ao preço dos imóveis que não fazem parte do programa – são imóveis de luxo voltados a estrangeiros. Nessa modalidade, o candidato precisará comprar um apartamento de, pelo menos, US$ 400 mil, ou uma casa de, pelo menos, US$ 800 mil, e não poderá revender o imóvel por pelo menos sete ou cinco anos, respectivamente.

Adicionalmente, deve-se pagar uma taxa de US$ 25 mil para o candidato principal, US$ 15 mil para a esposa e US$ 10 mil para cada dependente, caso o candidato queira incluir sua família no programa.

Já a opção de doação direta ao governo deve ser feita a um fundo chamado Sustainable Growth Fund (SGF), nos seguintes valores:

  • US$ 250 mil para cidadania apenas do candidato principal
  • US$ 300 mil para cidadania do candidato principal e esposa ou um dependente
  • US$ 350 mil para cidadania do candidato principal, esposa e um ou dois dependentes
  • US$ 350 mil para cidadania do candidato principal e três dependentes
  • US$ 50 mil para cada dependente adicional abaixo de 18 anos de idade
  • US$ 75 mil para cada dependente adicional acima de 18 anos de idade

Dependentes podem ser filhos ou irmãos, desde que abaixo de 30 anos, solteiros e sem filhos.

Além dos valores apresentados, o candidato precisa pagar pela taxa de pesquisa de vida pregressa do candidato (due dilligence, US$ 10.000 para o candidato principal e US$ 7.500 para cada familiar acima de 16 anos de idade), honorários advocatícios, caso opte por utilizar um escritório especializado (o que é recomendado, na faixa de US$ 6.000 por pessoa) e taxa de emissão de passaporte (US$ 350 por pessoa).

O candidato não pode ter condenação criminal e, no momento, cidadãos do Afeganistão, Bielorrússia, Coreia do Norte, Cuba, Irã, Iraque e Rússia estão banidos do programa.

Após a aplicação no programa, a cidadania é emitida em seis meses, em média.

Outros países

Detalhamos o programa de venda de cidadanias de São Cristóvão e Nevis por este ser o mais antigo e mais conhecido. No entanto, St. Kitts não é o único país a oferecer um programa de cidadania por investimento. Outros países que oferecem programas similares incluem Antígua e Barbuda, Áustria, Dominica, Egito, Granada, Jordânia, Macedônia do Norte, Malta, Montenegro, Santa Lúcia, Turquia e Vanuatu.

Apesar de estes países oferecerem venda de cidadania, nem sempre é um bom negócio para candidatos com o perfil explorado neste artigo. A Áustria, por exemplo, exige investimentos vultuosos na economia do país através da criação de uma empresa e a geração de empregos para cidadãos, sendo uma opção viável apenas para uma minoria que queira ter negócios na Áustria e renunciar a sua cidadania originária – a terra natal de Mozart não permite seus cidadãos terem outras cidadanias. Outros países, como é o caso do Egito, apresentam um passaporte muito mal colocado no ranking, não sendo uma opção desejável.

Conclusão

A compra de uma cidadania é uma solução relativamente rápida para pessoas de patrimônio elevado cidadãs de países cujo passaporte não permita a livre movimentação a um grande número de países sem a necessidade de visto, bem como para aqueles que querem adotar um planejamento tributário agressivo.

Para as micronações que têm programa de cidadania por investimento, o dinheiro arrecadado com este tipo de programa é essencial. De acordo com o FMI, as receitas desse programa representaram impressionantes 23,3% do PIB de São Cristóvão e Nevis no ano de 2021, com uma estimativa de 25,8% para 2022. Mais do que uma facilidade, é uma necessidade para a independência financeira do país.

Bibliografia adicional

BAUMAN, R. The passport book: the complete guide to offshore residence, dual citizenship and second passports. Baltimore, MD: International Living, 2022. 13th ed. ISBN 978-1911260837. 755 p.

CAPGEMINI. World wealth report 2023. Paris: Capgemini Financial Services, 2023. 44 p. Disponível em: https://go.capgeminigroup.com/2023-FS-World-Wealth-Report. Acesso em: 03 set. 2023.

SHAXSON, N. Treasure islands: uncovering the damage of offshore banking and tax havens. New York, NY: St. Martin’s Griffin, 2012. ISBN 978-0230341722. 272 p.

STRAUSS, N. Emergency: this book will save your life. New York, NY: Harper, 2009. ISBN 978-0060898779. 432 p.

WE’RE not broke. Direção: Victoria Bruce e Karin Hayes. 2012. 81 min.

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